Foi só no ano passado, em Tóquio, que o skate fez sua estreia oficial como modalidade olímpica. De lá para cá, porém, a paixão pelo esporte cresceu exponencialmente para além das escadarias, corrimões e rampas do street, tirando um atraso de anos. Entre as atletas mulheres, Leticia Bufoni carregava uma responsabilidade gigante. “A competição nas Olimpíadas foi a mais difícil da minha vida”, conta para a BOA FORMA.
Dona e proprietária do recorde feminino de medalhas nos X Games (só de ouro, ela ganhou seis), ela não chegou ao pódio no Japão. Mas em momento algum deixou de se divertir, de apoiar a amiga Rayssa Leal na conquista da prata e de aprender uma grande lição: “Eu me coloco muita pressão. Quanto mais experiente você é, mais carrega esse peso”. Confira como Leticia cuida do corpo e da mente para pegar mais leve consigo mesma e também estar em 1º lugar.
SKATISTA NÃO TIRA FÉRIAS
Ainda adolescente, Leticia mudou-se para os Estados Unidos para seguir carreira profissional no skate. “Fui convidada para o meu primeiro X Games e iria ficar só 20 dias. Só que depois teria dois ou três eventos na sequência, então convenceram meu pai e eu fiquei seis meses. Assim que voltei para o Brasil, consegui o visto de trabalho e me mudei de vez para Los Angeles”, conta. O sonho de morar fora ela já tinha, só não imaginava que o sucesso viria tão rápido. Durante o período letivo, ela conciliava as aulas com o circuito de provas na Europa e as etapas nos Estados Unidos.
Suas maiores lembranças dessa época não são os perrengues (“Ganhava dinheiro nas competições para poder sobreviver lá”) e nem as experiências estudantis (“O primeiro e o segundo colegial foram bem difíceis”), mas as memórias do skate. “Tinha um pico de skate muito famoso na frente da minha escola. As pessoas que eu via no videogame estavam lá”, vibra.
Ainda que a aptidão para o esporte fosse sempre evidente, o apoio não veio logo de cara. “Meu pai não gostava, eu era a única menina na pista. Chegou a me colocar de castigo e cortar meu skate, mas não adiantou. Eu chorei uma noite inteira, aquilo acabou com meu mundo, mas peguei um shape emprestado e no dia seguinte já estava andando de novo. Foi quando ele percebeu que não adiantaria tentar me parar. Já a minha mãe e minha avó sempre me ajudaram”, lembra Leticia.
Fora das pistas, ouvia comentários preconceituosos por ser uma menina num esporte então dominado por figuras masculinas. “Os meninos ficavam dizendo que eu era Maria Homem, Maria João.” Dentro das pistas, porém, encontrou um ambiente mais aberto. “Quando eu comecei a ir para pista de verdade, fui muito bem acolhida. Um ou outro fazia uma brincadeira, mas os skatistas têm isso de todos serem uma grande família. Você pode ir numa pista gigante ou num pico, vão te respeitar. Você está numa competição e um comemora a manobra do outro, isso não acontece em esporte nenhum!”
De tanto treinar junto, estar sempre em grupo, cria-se uma parceria fora e dentro da pista que não dá vontade de abandonar jamais, compartilha Leticia. “Por mais que eu fale que estou de férias, de férias mesmo eu nunca estou. Posso ficar uns dias sem andar de skate, mas estou sempre muito ativa, não me aguento. Tenho uma pista no quintal de casa, sempre acabo andando.”
COMO LIDAR COM A PRESSÃO
Quando pensa nas Olimpíadas, Leticia lembra do calor absurdo que fazia no Japão e da dificuldade de lidar com o favoritismo. “Nunca tinha sentido esse peso na vida. Eram muitos fatores, foi intenso. No fim do dia, a gente sabe que é só uma pista de skate, mas eu me coloco muita pressão.” Ainda que o resultado tenha sido diferente do esperado, não titubeia na hora de escolher a palavra para resumir a experiência: “Foi incrível”.
A atleta sabe a importância de ter ídolos no esporte, inclusive para as crianças terem mais chances de seguir seus sonhos. “Não tem nem como comparar os dias de hoje com quando eu comecei a andar de skate. Era difícil ter uma referência para mostrar para os meus pais. Hoje o skate está nas Olimpíadas, tem mais apoio, mais marcas. Comecei a competir em campeonato de bairro, demorou para conseguir a primeira medalha e o primeiro patrocínio. Não é fácil para ninguém, mas é mais fácil hoje.”
Para se manter no topo, ela busca o equilíbrio entre três fatores: treino, descanso e diversão. “Eu sou uma pessoa muito ativa. Quando não estou andando de skate, estou surfando, fazendo alguma atividade física.” Manter-se em movimento é uma das formas que Leticia encontrou de prevenir lesões mais graves. “As minhas duas últimas lesões foram em 2019. Quebrei o pé duas vezes, fazendo manobras que eu sei fazer”, diz. Mesmo em recuperação, circularam fotos suas com o pé imobilizado em cima do skate. “É muito comum machucar o pé, querendo ou não, estamos acostumados. Teve uma lesão mais antiga que bati a cabeça bem forte e fiquei mais preocupada, mas não tenho muito esse bloqueio de voltar a praticar a manobra. Uma vez, numa competição, tentei uma manobra muito alta que nenhuma menina tinha tentado. Não consegui na hora, mas eu continuo.”
Sua persistência é fundamental para o aumento da visibilidade do skate feminino. “O mercado masculino está muito avançado, principalmente fora do país. Mas nos últimos dois anos aqui no Brasil, mudou bastante. Isso é tudo fruto de todos os títulos que o skate feminino teve, está bonito o apoio.” Com a fadinha Rayssa, que acompanha desde os 7 anos de idade e com quem treina junto na seleção brasileira de skate, antecipa que os caminhos já estarão mais livres. “Ela é um fenômeno no Brasil e no mundo inteiro.”
Nas competições, pessoas de diferentes faixas etárias estão juntas. “O mais bacana do skate é que não tem idade certa pra nada.” Isso significa que não há uma perspectiva dela parar tão cedo, mas a longevidade na ativa depende de muitos cuidados com o corpo. “Os últimos três anos foram muito puxados, não quero seguir nesse ritmo de uma competição atrás da outra. Antes de uma prova, os treinos são puxados, de duas a quatro horas no skate sem parar mais uma hora e meia de treino físico e uma hora de fisioterapia. Não faço muita musculação porque no skate quanto mais leve você for, melhor. Mas incluo bastante treino funcional no dia a dia.”
EQUILÍBRIO NOS HÁBITOS
Leticia afirma se policiar bastante sobre seus hábitos, mas sem exagerar. “Tudo que você faz com equilíbrio, você pode fazer.” Um de seus principais pontos de atenção é o período de descanso: “O sono pra mim é um muito importante. Durmo oito horas por noite. Quando é um dia mais puxado, tento dormir de nove a dez horas.” Depois de um treino intenso, em que sente mais dor, capricha na recuperação. “O mais importante é aprender a escutar e obedecer o seu corpo, senão você se empolga e acaba fazendo uma coisa atrás da outra. Quando o corpo fica muito machucado, está precisando de descanso.”
Nesse quesito, esse início de 2022 tem apresentado um desafio extra: o BBB. Muito amiga do surfista Pedro Scooby, ela tem perdido horas de sono para acompanhar o reality show. “Estou achando incrível que todo mundo está podendo conhecer ele de verdade. As pessoas o julgavam pelo que viam na internet, era frustrante para a gente que é amigo”, diz com empolgação de fã sobre seu “irmão”, como ela prefere.
Festeira assumida, não abre mão dos momentos de lazer. “A gente faz muito churrasco. Eu não como carne há quatro anos, mas amo a resenha do churrasco, sempre acaba em festa, em jogos de carta, alguma atividade.” Ainda que evite usar o rótulo de vegetariana, Leticia conta que sentiu um grande aumento na disposição física quando passou a privilegiar fontes vegetais de proteína. “A alimentação mais saudável, com mais legumes e verduras, melhora tudo. Amo arroz com feijão ou com lentilha, não preciso de mais nada.” Na chave do equilíbrio, abre espaço também para guloseimas: “Adoro fazer bolo de cenoura com cobertura de brigadeiro, quando tem aniversário de um amigo, eu sempre levo.”
BELEZA E NEGÓCIOS
Por ter começado muito nova na profissão, Leticia Bufoni aprendeu que era preciso estar no comando de todas as áreas que envolvessem seu nome. Isso inclui o contato com os patrocinadores (enquanto o calendário do X Games não está definido em função da pandemia, seu próximo grande projeto do ano é um canal no YouTube com a Red Bull) e com novos negócios (como um tênis que leva seu nome, pela Nike, e a sua marca de shapes, a Monarch, em sociedade com a skatista britânica Sky Brown). No próximo dia 19 de fevereiro, ela inaugura a primeira loja da sua hamburgueria, a Flip Burguer Brasil, em Guarulhos. Todos os lanches terão uma opção vegetariana.
As múltiplas tarefas diárias são acompanhadas de rituais de beleza que Leticia não abre mão. Sua rotina de skincare inclui creme hidratante, vitamina C e protetor solar, sempre com blush e rímel. Com os cabelos, que por muito tempo ficaram coloridos de rosa, os cuidados são ainda mais intensos. No dia da sessão de fotos para BOA FORMA, Leticia veio de sua casa no Guarujá direto para o novo centro cultural Lote, na Vila Madalena. O espaço de shows, festas e exposições de arte urbana. Bastante desenvolta na frente da câmera, Leticia fez questão de posar ao lado das obras coloridas pintadas pelo artista J. DEMSKY e não resistiu a uma voltinha de skate no pátio. O carão, porém, é só para a hora da foto ou para a concentração nas provas. No dia a dia, ela é só sorrisos e diversão. “Tento não me importar com o que as pessoas falam. Só quero andar de skate.”
- Foto: @_matheuscoutinho_
- Beleza: @beleza.crislopes, representada por @chezagence, com produtos utilizados @diorbeauty e @L’Oréal_education_brasil
- Assistente beauty: Camila Pereira
- Styling: @leonapolitano
- Leticia Bufoni veste: @nike,@apartamento03, @grabmycrayons, @shopgiola, @anselmi, @crisbarrosofficial e @labellamafia
- Agradecimento especial: @lote.sp
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Essa matéria faz parte da edição de fevereiro de 2022, que conta ainda com mais três especiais:
:: Um guia de como trazer o espírito de carnaval nas makes do dia a dia;
:: Receitas de drinks deliciosos para curtir com moderação;
:: Tudo que você precisa saber sobre o clitóris.
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