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Lugar de mulher é no ringue: elas não são atletas, mas lutam boxe de verdade

Mariana e Shantal são exemplos de mulheres que procuraram a luta e hoje não conseguem viver sem o esporte. Por que cada vez mais a modalidade é buscada pelo sexo feminino? Aqui você descobre

Por Cláudia de Castro Lima (colaboradora)
Atualizado em 26 abr 2024, 13h47 - Publicado em 11 jul 2016, 16h28
Luiz Maximiano
Luiz Maximiano (/)
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De tranças no longo cabelo negro, Marina Bocciarelli, 27 anos, vem saltitando pelo corredor e entra no ringue ao som da música tema do filme Hotel Ruanda. Os olhinhos pequenos passeiam atentos pela arquibancada até encontrarem uma figura conhecida: sua mãe está mesmo lá. Marina desenha um coração no ar. Está pronta para a luta. A noite fria de maio marca a estreia da veterinária (especializada em cardiologia de animais de pequeno porte) no boxe amador, depois de dez anos de treino. Com 1,56 m de altura e pesando 47,8 quilos (de ansiedade, ela perdeu 2,2 quilos a mais do que precisava para ficar dentro do limite da categoria), é dela o combate inicial do Beat Boxe – Desafio Antonio Carollo (evento em que BOA FORMA apresentou duas lutas femininas), em São Paulo.

Assista aqui o vídeo 360º do combate entre Marina Bocciarelli x Shantal Abreu

Do outro lado do ringue, outra estreante: Shantal Abreu, 27 anos, ex-relações-públicas de uma cobiçada marca de sapatos e espécie de mescla de musa fitness e it girl. Escalada para o segundo combate da noite, Mariana Habbib, 25 anos, filha de armênios, piercing no nariz, trabalha com os pais no restaurante de comida típica da família. Treina boxe há seis anos e é grau preto no muay thai. Sua adversária usa luvas verdes e pesa 55 quilos: Alexandra Corvo, 40 anos, requisitada sommelière de vinhos. Essas quatro mulheres comuns encaixaram o boxe em sua rotina e vêm transformando a nobre arte, como é conhecida, em assunto de menina. Elas podem até ter chegado ali em busca de uma forma menos ortodoxa de secar as gordurinhas. Mas estão descobrindo muitos outros benefícios.

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Luva cor-de-rosa
Não há números gerais sobre quanto as artes marciais (como boxe, muay thai, judô, jiu-jítsu e MMA) caíram no gosto feminino. Mas basta invadir uma academia de combate, antes ambiente predominantemente masculino, para constatar que a quantidade de mulheres matriculadas cresceu principalmente nos últimos anos. “Elas chegam procurando uma atividade física de alto gasto calórico para perda de peso”, diz Carlos Giannoni, o Portuga, que comanda a equipe Team Portuga Boxe, em São Paulo. “Depois, acabam se apaixonando pelo esporte e pelos vários benefícios físicos que ele traz, como melhora do condicionamento, aumento da autoestima e até aprendizado de técnicas de autodefesa, embora a gente sempre reforce que não se deve reagir a nada.” Portuga diz que, antes, a proporção em suas aulas era mais ou menos de duas alunas para cada dez homens, mas hoje isso aumentou para cerca de seis ou sete. “A mulherada está treinando forte mesmo.” Também estamos mais interessadas em assistir às lutas. De 2005 para 2015, a audiência feminina do Combate, canal por assinatura especializado no tema, subiu de 15 para 35% do total de assinantes. Nas turmas do pugilista profissional Rodrigo Leite, da Escola de Boxe Antonio Carollo, as mulheres já são uma média de 70%. Professor desde 2001, Rodrigo, que já foi da seleção brasileira de boxe, fez a luta principal do evento daquela noite (venceu) e atuou como córner (ao lado do ringue, dando orientações) de suas alunas, Marina e Mariana. “Meu irmão fazia musculação e eu, que não gostava da prática, resolvi testar o boxe para melhorar meu condicionamento físico. Me apaixonei na primeira aula”, conta Marina. “Sou muito agitada, e o boxe é a minha terapia.” Sua colega de equipe Mariana ingressou, primeiro, no muay thai. “Mas no boxe não é permitido usar joelhos, cotovelos e chutes. Tive que reaprender tudo”, lembra.

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Medindo forças
Ok, treinar um esporte de combate é uma coisa, lutar de verdade exige muito mais. Embora aquela noite fosse a estreia no boxe amador das meninas, ninguém tinha caído lá de paraquedas. Para fazer um combate, é preciso intensificar a rotina de treinamento, mudar a dieta para bater o peso da categoria (o que significa, por exemplo, perder 5 quilos em dez dias), lidar com a ansiedade e o stress. O que, afinal, faz as mulheres desejarem tudo isso e toparem ir além da trocação controlada das aulas para tomar soco no nariz e murro no estômago? “Quero superar minhas próprias metas. Se hoje completei cinco rounds batendo no saco de pancada, amanhã vou me esforçar para fazer mais”, diz a sommelière Alexandra Corvo, que começou a treinar com Portuga há seis anos, logo depois de ter um filho. “Nunca mais parei. O boxe me deixa zen.” Numa rotina de cinco horas de treinamento por dia, sua semana antes da estreia não estava assim tão equilibrada, até que uma viagem a trabalho trouxe a oportunidade para descansar a mente. “Resolvi usar a viagem [ela voltou de Portugal na manhã da luta] para tentar segurar um pouco minha onda”, diz Alê, que não contou ao marido que ia lutar. “Ele me apoia em tudo, mas sempre que falo em subir no ringue questiona: ‘Pra quê? Para uma menina de 20 anos te enfiar soco na cara?’ Mas eu botei isso na minha cabeça. E vou até o fim!”, fala, minutos antes de iniciar o combate. Sua adversária também enfrentou resistência da família. Naquela noite, o pai de Mariana Habbib iria vê-la em ação pela primeira vez. “Sempre fui muito competitiva. Quis começar a lutar para treinar com um objetivo, um estímulo a mais. Não tenho medo de levar porrada”, diz, com nove vitórias de muay thai e uma derrota no currículo. “Perdi minha primeira luta, e foi a melhor coisa. Apanhei tanto que pensei: ‘Vou treinar muito para isso nunca mais acontecer’.”

Na vitória e na derrota
Marina e Mariana terminaram a noite vencedoras por pontos. “Meu pai nem disse nada. Só deu dois tapinhas no meu rosto e foi embora”, se orgulha Mariana. “Sabe que gostei da brincadeira?”, completa Marina. Alexandra, mesmo derrotada, não desanimou. “A Alê não lutou nem 30% do que sabe. Estava esgotada, com a resistência baixa por causa da viagem. Mas já voltou com força total dias depois da luta. E quis fazer dois treinos”, conta, rindo, Portuga. Shantal Abreu passou por uma situação particularmente difícil antes de subir ao ringue: seu mestre ligou avisando que estava com um problema pessoal e só chegaria uma hora antes da luta. “Fiquei olhando o relógio a cada dez minutos e, quando faltavam 20 minutos para subir ao ringue, ele confirmou que não conseguiria vir. Perdi totalmente a segurança”, conta ela, que lutou tendo no córner um amigo da academia, que nunca a tinha visto treinar, e o namorado (o modelo Mateus Verdelho). “Claro que eles me ajudaram o máximo que podiam. Mas a figura do córner é essencial para ser seus olhos durante a luta, orientar o que você deve fazer. Sem meu mestre ao meu lado, foi bem difícil.” Se ela se arrepende de vestir as luvas em público? “Tem duas formas de enxergar meu combate. Uma: ele nem conta, porque eu estava sozinha. Duas: ele conta muito, justamente por isso. Se o boxe me ensinou uma coisa, foi a ter disciplina e respeito. A gente fala de arte marcial e as pessoas pensam em uma coisa agressiva, quando é exatamente o contrário”, explica Shantal. “Fiz questão de abraçar minha adversária. Aliás, fiquei superpróxima da Marina depois da luta. Nos falamos quase todos os dias.”

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