Movimento

Daiane dos Santos: de atleta a influenciadora esportiva

Para a primeira campeã mundial da ginástica artística brasileira, o esporte é uma ferramenta para transformar a vida das pessoas

por Helena Galante Atualizado em 7 abr 2021, 10h29 - Publicado em
7 abr 2021
09h00

“Às vezes, sua felicidade depende de um passo ousado.” Aos 38 anos, Daiane dos Santos fala essa frase com a firmeza na voz e o sorrisão no rosto de quem deu muitos passos, saltos e rodopios em direção à ousadia. Nascida em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, tornou-se a primeira campeã mundial da ginástica artística brasileira em 2003. Sentiu a alegria e o peso das medalhas no peito, participou de três olimpíadas e criou dois movimentos que levam seu nome, o duplo twist carpado (Dos Santos I) e o duplo twist esticado (Dos Santos II). Com a decisão de parar de competir, em 2012, passou a experimentar caminhos diferentes como educadora física, comentarista, palestrante e gestora do projeto social Brasileirinhos. 

Diante dos desafios, nem o preconceito nem a pressão por manter a aparência física de antes a afastaram do seu maior amor: o esporte. “O esporte é uma ferramenta para transformar a vida das pessoas. Não é só sobre alto rendimento, é sobre qualidade de vida e bem-estar”, afirma Dai. Para quem vibrou com ela lá atrás ao som de Brasileirinho mas sabe que a vida é movimento contínuo, BOA FORMA apresenta os novos passos de Daiane dos Santos, agora influenciadora esportiva. 

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Equilíbrio para mudar

Daiane dos Santos: “Precisei de muita inteligência emocional para passar por essa transição e não pirar”
Daiane dos Santos: “Precisei de muita inteligência emocional para passar por essa transição e não pirar” (Leo Martins/BOA FORMA)

Como atleta de alta performance, a rotina de Daiane dos Santos dentro do ginásio de treinamento exigia grandes doses de dedicação e abnegação. Desde os seus 11 anos de idade, quando foi descoberta pela professora e técnica Cleusa de Paula, viu seu cotidiano mudar para passar a incluir práticas de 8 a 9 horas por dia, todos os dias, e alimentação absolutamente regrada. “Em dezoito anos de ginástica, tive momentos não tão legais, de cansaço, dor, stress, preconceito. Mas o amor pelo esporte me fez passar por tudo. Todas essas histórias me fizeram ser a ginasta que eu fui”, conta Daiane. 

“Tudo que eu faço, eu tento fazer de coração.”

Sob orientação do treinador ucraniano Oleg Ostapenko, a entrega de corpo e alma rendeu muitos resultados. O entusiasmo de Daiane (e seus pódios) incentivaram uma mudança no comportamento do público brasileiro, que pegou gosto pela ginástica artística. Ainda que realizados com graça no solo, os exercícios complexos e de alta exigência cobravam seu preço na saúde física. As lesões nos joelhos e nos pés, acompanhadas de dores intensas, exigiram uma série de cirurgias. Na volta dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, uma lesão e a necessidade de mais uma cirurgia foram apontados como determinantes no anúncio do encerramento da sua carreira de atleta. A decisão, porém, tinha começado a ser desenhada muito antes.

“Foi um processo que amadureceu aos poucos. A decisão da hora de parar de competir tem que ser muito madura”, conta Dai. “Comecei a pensar em 2008, vim maturando essa ideia durante esses quatro anos, me preparando de todas as formas para uma vida pós-carreira de atleta.” O planejamento eliminou qualquer arrependimento da situação, mas não impediu que ela tivesse batalhas psicológicas e emocionais a enfrentar.

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Pressão estética

Maturidade: “Muitas pessoas querem que o atleta permaneça igual depois de parar, como se estivesse no formol. Mas o corpo muda”
Maturidade: “Muitas pessoas querem que o atleta permaneça igual depois de parar, como se estivesse no formol. Mas o corpo muda” (Leo Martins/BOA FORMA)

Em 2014, Daiane fez sua estreia como comentarista da Globo no Mundial de Ginástica. Seu carisma e precisão técnica na função foram reconhecidos – neste ano, por exemplo, nos Jogos Olímpicos de Tóquio, remarcados em função da pandemia, ela volta a assumir esse papel em frente às câmeras. Muitos comentários preconceituosos, porém, foram feitos em relação à sua forma física. “Muitas pessoas querem que o atleta permaneça igual depois de parar, como se estivesse no formol. Mas o corpo muda”, afirma ela. “Minha cabeça não queria mais tanto treinamento e com a demanda muscular menor, é normal ter uma mudança corporal. Ouvi comentários que me deixaram chateada, mas escolhi escutar meus amigos, minha família”, lembra. “Precisei de muita inteligência emocional para passar por essa transição e não pirar.”

“Muitas pessoas querem que o atleta permaneça igual depois de parar, como se estivesse no formol. Mas o corpo muda”

A nova fase incluiu momentos de relaxamento – “Queria ficar na Netflix tomando um suquinho, tirar férias, descansar” – e de adaptação. “Meu corpo pedia rotina. Fui alinhando melhor as coisas e hoje foco no cuidado. Há uma pressão externa pela imagem perfeita, mas é preciso pensar mais na questão da saúde”, defende a ex-atleta. O ciclo como ginasta havia chegado ao fim, mas a atenção ao bem-estar poderia seguir firme. 

Atualmente, durante o necessário distanciamento social, as idas à academia e sessões presenciais com seu treinador Disnei Sanches estão suspensas. Mas os passeios com seu cachorro, Negresco, e os treinos em casa, de preferência pela manhã, rolam todos os dias, inclusive aos domingos. “Se não dá tempo cedinho, tento encaixar em algum outro horário. Já aproveitei até a escadaria do prédio, sempre em um horário vazio.”

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Na cozinha e nas redes, sem timidez

Os cuidados com a saúde passam pela dedicação à cozinha. Ela mesma prepara suas refeições, caprichadas nos temperinhos secos. Uma horta caseira está nos planos – mas as versões frescas não vingaram porque a “mão para as plantas” não é exatamente seu ponto forte. Já o amor pela cozinha é intenso desde a sua participação no programa Super Chef Celebridades, do Mais Você, de Ana Maria Braga, em 2018. “Rola um delivery de vez em quando, quem nunca?! Mas eu tenho curtido cozinhar, adoro a Rita Lobo, presto atenção nos detalhes, anoto as receitas, adoro!”

A flexibilidade para se arriscar em novos ares, fundamental no teste de novos pratos no fogão – foi também crucial para a entrada na internet. Seu primeiro post no Instagram foi justamente em 2018, com o dólmã de cozinheira do reality culinário. “Nunca fui muito digital mas o carinho dos fãs era tão grande, eles pediam tanto que eu estivesse nas redes sociais  que optei por entrar”, lembra. Os #TBTs de collant brilhante de mangas compridas, muitas vezes com a narração de locutores estrangeiros emocionados com seus feitos, passaram a ser intercalados com poucas fotos em momentos de lazer e participação em programas como o Criança Esperança.

Foi na virada de 2020 para 2021 que o conteúdo começou a se expandir para novos interesses de Dai. Temas como disciplina, procrastinação e resiliência começaram a pipocar. Sua ideia era compartilhar aprendizados que ajudavam no ambiente estressante da competição e poderiam ser aplicados no mercado corporativo ou nos próprios desafios do dia a dia.

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Inspiração além do esporte

“Em 2019 comecei um curso de neurociência. Sempre gostei de prestar atenção nos pensamentos das pessoas. Me preocupa a tendência de pensamentos negativos que as pessoas têm, sendo que a maneira positiva ou negativa de enxergar depende do que você quer ver”, conta a ex-atleta.

No início deste ano, sua presença on-line deu uma guinada (hoje, são quase 60.000 seguidores só no Instagram). “Sempre curti todas as fases da minha vida, procuro viver o momento intensamente e com equilíbrio”, fala Dai sobre o estágio atual.

Como empreendedora de sua própria empresa, acompanhada de assessores de comunicação, marketing e jurídicos, passou a produzir conteúdos e fazer parcerias com marcas que buscam promover mais bem-estar. “Cuidar da sua saúde e bem-estar não diz respeito apenas a boa forma física, mas sim em olhar com carinho para o todo. O todo vai além do corpo… Você tem cuidado bem da sua saúde emocional? O que você tem pensado a seu respeito? Quais hábitos você gostaria de manter, eliminar da sua vida ou incluir?”, escreveu, no início de abril. “Trago os aprendizados de trabalho em equipe, superação e inovação para aplicar em outras áreas.”

Equilíbrio emocional, trabalho em equipe e inovação: temas que Daiane aprendeu no esporte e agora leva para o universo corporativo
Equilíbrio emocional, trabalho em equipe e inovação: temas que Daiane aprendeu no esporte e agora leva para o universo corporativo (Leo Martins/BOA FORMA)
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Sonho de mudar o futuro

“Minha oportunidade veio de um projeto social. Eu quero retribuir e dar essa chance para outras crianças.” Desse desejo, que surgiu quando ainda treinava, nasceu o projeto Brasileirinhos. O objetivo não é construir um atleta (desde 2016, apenas cinco alunos foram encaminhados para treinamento de alto rendimento), mas desenvolver consciência social e pertencimento a um grupo. 

“A ginástica como atividade física tem impacto na saúde física e emocional”

A ação, voltada para crianças e jovens de 6 a 17 anos, surgiu em formato piloto no Rio de Janeiro e depois se estabeleceu em São Paulo no CEU Paraisópolis, na Zona Sul. No início de fevereiro deste ano, Daiane esteve na Secretaria Municipal de Educação para ampliar o projeto para a Zona Leste, no CEU Aricanduva. “Meu objetivo é educar através do esporte.” Como gestora da ação, faz reuniões semanais às sextas com os professores, conversa com pais e mães e inspira, sempre. 

“Sou uma menina de comunidade e é bom poder retribuir, transformar a vida das pessoas dentro das comunidades. É um caminho do bem, estamos plantando para colher lá na frente.” Mesmo durante a pandemia, as aulas não pararam, apenas foram transferidas para o universo virtual. “Sinto saudades de abraçar esses alunos que amo. Gosto dessa fase nova que eu estou vivendo, de trazer o esporte para a vida das pessoas de uma forma diferente.” 

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Beleza em todos

Musa de muitas crianças, Daiane dos Santos tem um impacto positivo também na auto estima dos alunos. “Os pais nos agradecem pelos filhos, que passam a lidar melhor com a ansiedade. Crianças que eram introvertidas demais passam a integrar um grupo. Sempre falamos também de questões de beleza. Todos são bonitos, incentivamos que eles façam elogios uns aos outros.” Num contexto de uma sociedade racista, preconceituosa, a dimensão dessa intervenção é ainda maior.

“Aquele momento foi muito importante […] para todas as meninas que sonham em participar de um esporte que, até pouco tempo, ainda era considerado inadequado para pessoas negras.”

Vinte anos depois dos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg, quando ganhou suas primeiras medalhas na categoria sênior da ginástica, Daiane relembrou para a ONU Mulheres no Brasil qual foi a relevância daquela conquista. “Aquele momento foi muito importante. Não só para mim, mas para todas as meninas que sonhavam e ainda sonham em ser atletas ou em participar de um esporte que, até pouco tempo, ainda era considerado inadequado para pessoas negras.” Viajando o mundo para competir, descobriu que era aqui a situação mais crítica. “Sofri muito mais racismo aqui do que fora do país”, contou para BOA FORMA.

Para mudar essa situação, não faltam a Dai determinação e amor. Nem maturidade. “Ainda pensam em mim como menina. Mas vou fazer 40 anos!” A grandeza daquela garota de 1,46 metro de altura que conquistou o Brasil e o mundo ao som de Brasileirinho segue agora ainda mais ousada, transformando o mundo com o esporte. <>

CAPA

Fotos e captação de vídeo: @leomartinsphoto
Edição de vídeo: @ligia.agreste
Direção de arte: @oipedroemilio
Moda: @islannaofficial / @indexconectada e @gentil_lembranca / @carol_altoe
Maquiagem: @hsuyuling
Agradecimento: @comunicacao.galvaa

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Esse especial faz parte da edição de abril de 2021 de Boa Forma,
que traz a ex-ginasta olímpica e influenciadora esportista Daiane dos Santos em sua capa.
Clique aqui para conferir os outros especiais.

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