Beleza

Como as redes sociais afetam nossa relação com a aparência

Especialistas dão nome aos fatos e mostram que o autoconhecimento é a chave para a mudança

por Thieny Moltini | Ilustração de Erika Lourenço Atualizado em 26 nov 2020, 12h51 - Publicado em 9 nov 2020 09h00

Quando foi a última vez que você tirou uma foto sua e publicou em uma rede social sem qualquer filtro ou edição? Cílios maiores, lábios mais carnudos, maçãs do rosto mais definidas e, então, os filtros tomam o lugar da nossa própria imagem. Como se não bastasse o bombardeio de pessoas “perfeitas” na televisão e internet, agora temos ferramentas que tornam todos ainda mais perfeitos e inalcançáveis. Até que ponto as redes sociais afetam a nossa relação com a aparência? Quem somos nós sem edições? 

Dismorfia de Snapchat

As redes podem distorcer a maneira como você se vê
As redes podem distorcer a maneira como você se vê (Dmitrii Khvan/Getty Images)

Em 2018, estudiosos criaram o termo “Dismorfia Snapchat”, justamente para abordar os casos de pessoas que passaram a buscar profissionais com o objetivo de atingirem uma aparência o mais próximo possível de si mesmas com filtros. No ano seguinte, um estudo publicado na JAMA Facial Plastic Surgery também mostrou que o uso de filtros estava relacionado ao aumento de interesse por intervenções cirúrgicas estéticas.

De acordo com Pâmella Catherine Salles Santos, psicóloga da clínica digital de Telavita, é normal a busca do ser humano por padrões para compreender e interpretar o mundo. “Por isso que, às vezes, vemos formas de animais e rostos em coisas comuns, como frutas e nuvens”, exemplifica a especialista. “Um padrão segue uma ‘moda’. Moda, para estatística, é algo que aparece com maior frequência em um conjunto de coisas. Quando você sai desse padrão, do que já está acostumado, o cérebro precisa fazer novas conexões, e isso é incômodo para ele. Por isso que ‘mudar’ a forma de ver o mundo é tão difícil e desconfortável”, explica a psicóloga.

Quanto mais somos expostos a uma imagem e traços, mas os vemos como os normais, como o padrão

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E o que isso tem a ver com as redes sociais e a percepção sobre nós mesmos? Bom, uma coisa é ver algo fora do padrão de maneira pontual, eventualmente. Mas, quando isso acontece com frequência, mudamos a forma como vemos o mundo. “Aquilo que é bonito e inalcançável se torna o ‘normal’, o novo padrão, aí que está o problema”, relaciona a especialista. Pense quantas vezes você vê pessoas perfeitas ou com padrões irreais nas redes sociais todos os dias? É disso que estamos falando.

“É muito difícil ser impactado por imagens retocadas e lembrar que de fato existe um tratamento nelas, que a realidade é diferente. E isso acaba nos fazendo sentir aquém do que idealizamos para nós como beleza. E o problema realmente começa quando tentamos transportar a beleza ‘digital’ para o real. Existe uma demanda atual muito grande por tratamentos estéticos que tragam esse visual Instagram para o real. A própria harmonização facial reflete isso. Salvo casos específicos de correção, por que temos que novamente ceder a um padrão estético? Falamos tanto em diversidade e promovemos justamente a homogeneização”, defende Tay Borges, consultora de imagem e estilo e professora da Belas Artes.

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Nem tudo é o que parece

É provável que 90% das pessoas no seu feed de Instagram tenha uma beleza extraordinária. E no seu círculo social real? Quantas pessoas você realmente vê por dia com essa beleza? Talvez nem 5%? Pois é, a conta não bate.

E você pode argumentar que é porque você fez uma “curadoria” nas redes sociais para seguir apenas pessoas “sem defeitos.” Mas mesmo se considerarmos todas as contas de Instagram existentes, quantas dessas realmente retratam pessoas “feias” para o padrão da sociedade? Muito poucas. Isso porque a maioria das pessoas vai selecionar fotos em que estão realmente se sentindo bonitas, mesmo que aquilo não seja como elas se parecem sempre no dia a dia e, muitas vezes, quando não é possível atingir isso apenas com ângulos e luz, elas também lançam mão da ajuda de aplicativos de edição ou filtros.

Para se ter uma ideia, o uso de imagens com padrões surreais na internet é tanto que até mesmo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) lançou uma campanha para combater as fake news nas redes sociais. Além de destacar a importância da busca por profissionais qualificados para a realização de procedimentos estéticos, a iniciativa quer alertar os casos de manipulação de imagens, em que são utilizados truques como: ângulo, iluminação e maquiagem para ressaltar resultados em postagens de antes e depois. “Além de ser uma conduta proibida a médicos, os profissionais que realizam indevidamente certos procedimentos, expõem pacientes com o uso de imagens não apropriadas e ainda espalham fake news com o intuito de seduzir novos clientes com promessas irreais, sem o mínimo de preocupação com a segurança do paciente”, alerta o médico Dênis Calazans, presidente da SBCP, em comunicado sobre a ação.

Efeito Zoom

O rosto que te apresentam nas redes pode não ser o real
O rosto que te apresentam nas redes pode não ser o real (PeteSherrard/Getty Images)

Surpreendente, em um ano de pandemia (devido à COVID-19), um setor que mostrou significativo crescimento foi, justamente, das cirurgias plásticas. A possibilidade de ficar em casa para se recuperar e o dinheiro em caixa que algumas pessoas conseguiram juntar — já que as viagens não aconteceram — foram apenas alguns dos fatores que aumentaram esses números em 2020.

Mas a dificuldade de lidar com a própria aparência em frente à câmera segue sendo um ponto relevante. Com tantas reuniões por vídeo, em aplicativos como o Zoom, durante o home office, as pessoas ficarem ainda mais críticas sobre si mesmas e passaram a buscar por intervenções cirúrgicas para mudar a aparência. Lá fora, em países como Estados Unidos, Austrália e Japão, o problema já ganhou nome: “Zoom Boom”, ou “Efeito Zoom” (em tradução livre).

Na realidade, registros com a câmera frontal, por si só, já são um ponto de atenção. “A proximidade da câmera distorce as unidades anatômicas do rosto. Em uma selfie, o nariz, por exemplo, fica mais largo e menos definido. Isso, obviamente, gera uma análise distorcida, porque a pessoa vai avaliar uma imagem que não é real”, comenta o médico e cirurgião plástico Alan Landecker, também membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

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Para todo mal, a cura

Há um consenso entre psicólogos e cirurgiões plásticos: a melhor forma de lidar com essa noção distorcida de beleza é o autoconhecimento. Não é sobre os filtros, mas sobre a forma como você se vê.

“As redes sociais nos vendem um imperativo da felicidade e beleza. Então, existe a necessidade de mostrar bem-estar e, ao mesmo tempo, de ser reconhecido pelo outro. Nesse movimento — de querer exibir uma imagem construída –, o sujeito se afasta cada vez mais de si mesmo”, explica Talitha Nobre, psicóloga do Grupo Prontobaby. “Em uma sociedade como a nossa, sustentar singularidade é uma missão muito difícil”, complementa.

Por isso, é preciso se libertar do imperativo da perfeição para conseguir se aproximar de quem você é de verdade — e se aceitar dessa forma. E essa autoaceitação está diretamente ligada ao autoconhecimento.

“As redes sociais — ou qualquer outro recurso — se tornam um canal de opressão e sofrimento, quando internamente eu não sou capaz de amar e ter prazer na pessoa que eu sou. Então, antes de mais nada, eu preciso me dedicar em conhecer melhor a pessoa que eu sou e quais as minhas dificuldades em enxergar beleza em mim. Somente a partir deste passo de autoconhecimento, qualquer pessoa será capaz de usar as redes sociais e todos os outros recursos para potencializar as suas qualidades”, orienta Ellen Aragão, psicóloga do Hospital Adventista Silvestre.

Lembre-se ainda que existem questões internas que fazem com que você seja mais crítica – ou não – a seu respeito. “Há situações em que estamos tristes e outras em que estamos com o astral bom (seja por uma conquista, realização ou um novo amor), tudo isso, invariavelmente, afeta a forma como nos olhamos”, ressalta a psicóloga Gabriela Anjos.

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Como desenvolver a autoaceitação

Aprenda a ver seu valor para além da aparência
Aprenda a ver seu valor para além da aparência (Webkatrin001/Getty Images)

Se aceitar não é fácil. Mas é possível. E a gente vai te ajudar. Confira algumas dicas dos nossos especialistas para isso:

  • Evite se comparar com outras pessoas. É mais fácil falar que fazer mas a verdade é que o fato de uma pessoa ser bonita, inteligente ou legal, não significa que você não é. Cada um é todas essas coisas a sua maneira então não tem porque se comparar;
  • Pegue leve com você mesmo. Uma maneira de fazer isso é se tratar como você trataria uma melhor amiga. Você falaria para ela “você é horrível e não merece postar uma foto natural”? Então por que faz isso consigo mesmo?;
  • Faça coisas que te deem prazer. Beleza não é e nem deve ser sua única moeda de valor. Você deve se sentir bem consigo mesmo independente da sua aparência;
  • Busque um profissional para conversar, seja um psicólogo e/ou psiquiatra, e buscar o autoconhecimento;
  • Se achar necessário, deixe de seguir pessoas que fazem com que você se sinta mal;
  • Busque pessoas que te inspiram e fazem com que se sinta bem. Mas cuidado, a pessoa que te inspira a emagrecer só porque você a acha linda não está te fazendo se sentir bem consigo mesmo. A inspiração deve sempre vir acompanhada de bem-estar pessoal, como a pessoa que está num processo de emagrecimento (se esse é seu objetivo) mas te encoraja a olhar pra si mesma com amor e não cobrança;
  • Tudo bem usar filtros, mas dê um tempo deles se eles começarem a fazer você se sentir mal com sua aparência natural, ok?!

“Pare para refletir: se aceitar não significa não se cuidar ou não querer melhorar. É ok se cuidar. É ok também usar filtros. Na minha opinião, os filtros certos podem ser usados na hora certa, tem vários filtros temáticos que podem combinar perfeitamente com o momento ou local de onde você tirou a foto, e que ajudem a construir uma narrativa. O que pode prejudicar é usar excessivamente até se tornar um padrão. Eu uso às vezes e, muitas outras vezes, não. Cada um deve saber o seu limite. O autoconhecimento é uma forma de se blindar de influências externas”, reforça Tay.

Além disso, é importante ainda desenvolver um senso crítico sobre o que você vê. O cirurgião plástico Alan Landecker é taxativo: “As redes sociais estão formando padrões irreais de estética devido ao uso desses artifícios, fazendo com que as pessoas se comparam e fiquem mal por isso. Precisamos educá-las e deixar claro que está havendo essa manipulação.”

Vale a pena até mesmo se educar com vídeos e canais que expõem essas manipulações — não com intuito de envergonhar ninguém mas de fazer o público ver como é fácil ser enganado nas redes. Baixo, o inglês James Welch, guru de beleza, mostra em sua série Instagram VS Reality como é fácil mudar seu rosto até mesmo em vídeos nas redes sociais, apenas usando um aplicativo.

Por fim, lembre-se: você é muito mais do que uma foto, você é um ser único e insubstituível, repleto de histórias, desafios e aprendizados. Não se esqueça disso!

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Essa matéria faz parte da edição especial de novembro, que tem como tema Pratique bem-estar e te convida a rever sua relação com alimentação, movimento, beleza e saúde, para uma vida mais equilibrada. Veja aqui os outros especiais dessa edição.

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