Continua após publicidade

Urias: “Suar é uma forma de expelir coisas ruins do corpo e da cabeça”

A cantora pop é a capa de outubro de Boa Forma e fala sobre carreira, bem-estar e a sua relação com o corpo e a auto-imagem

Por Marcela De Mingo
Atualizado em 17 out 2022, 11h36 - Publicado em 17 out 2022, 08h00
Urias
 (Camila Tuon/BOA FORMA)
Continua após publicidade

Ao som de música dançante em um dia de temperatura amena em São Paulo (o que tem sido uma raridade nesta primavera), a cantora Urias deu um show. Jogou a perna para o alto usando um salto agulha, deu chutes e socos ao imitar as posturas do boxe, levantou peso… Mas, não, esse não era o treino de todos os dias da gata – era o ensaio para a capa de outubro de Boa Forma, que captou perfeitamente o amor da cantora pela prática física. 

Dando os devidos créditos ao preparo físico de Urias, ela levantou, naquele dia, às 05h30 da manhã para ir à academia antes do ensaio (“Eu vou estar na capa da Boa Forma, né?!”, brincou) e não perdeu o fôlego em momento algum – nem mesmo ao sentar para conversar sobre a sua trajetória. 

Capa Urias_Boa Forma-065
Jaqueta Diesel; Body Hope; Sapato Yves Saint Laurent; Joias Hector Albertazzi (Camila Tuon/BOA FORMA)

 

Com uma carreira que mistura a música, a dança e a moda, Urias se tornou uma referência de sucesso para a comunidade LGBTQIA+. Como mulher trans, alcançou lugares que outras como ela nem sonhavam ser possível, mas dá um recado importante: ela espera, um dia, não ser mais limitada pelo peso da sigla e espera transitar no mundo como uma mulher que canta, que dança, que, enfim, é uma pessoa como todas as outras, com sonhos, desejos, que não se importa em ficar sem maquiagem e com uma alimentação que, vira e mexe, sai da rotina.  

Confira, abaixo, o nosso bate-papo com a cantora. 

Urias
Top Adidas; Hotpant Hope Resort; Yeezy foam Adidas; Brincos Gabriella Araujo para Galeria Alice Floriano; Anéis Luza Rias Joyas para Galeria Alice Floriano (Camila Tuon/BOA FORMA)

Urias, vamos começar falando de bem-estar? Hoje, o que você considera bem-estar? 

Urias: Ai, muita coisa! Não é só estar bem com o seu corpo, com a sua aparência, mas tem muito a ver com conforto, com segurança, com onde você transita, se encontra, trabalha… Onde coloca a sua voz. Saber que você está falando e está sendo ouvida, e também se entender, se conhecer, na sociedade como um todo

Continua após a publicidade

Eu também me sinto muito bem quando o meu quarto está muito arrumado… Só que é muito difícil manter! Tem relação também com quando eu consigo estar nesse espaço, no meu quarto, sozinha, botando a minha música, passando os meus produtos de skincare, reparando em mim, me olhando, procurando defeito – e às vezes, achando, às vezes, não! -, acho que esses momentos sozinha são muito importantes para mim. 

Topa contar um pouquinho sobre a sua relação com a música? Você sempre quis ser cantora? 

Urias: Sempre quis ser cantora. Só que, no meio do caminho, aconteceram muitas coisas, chegou a ser um sonho meio impossível. Eu deixei isso de lado um pouco, mas quando surgiu a primeira oportunidade, eu abracei. Eu tinha, também, na internet, os meus amigos que sempre me apoiaram e as coisas foram acontecendo.

O que você quis dizer com “coisas aconteceram”? 

Urias: É sempre tido para a gente como um sonho inalcançável, não é para todo mundo. Enquanto eu crescia, era como eu querer ser jogadora de futebol ou dançarina de balé, mas não estar na escolinha de futebol ou de balé. Por não estar já incluída nesse mundo eu achava que eu não alcançaria isso, ainda mais em Uberlândia [sua cidade natal], crescendo com Sandy & Júnior… parecia que tinha que começar muito novo nesse meio. E as coisas foram acontecendo, a vida acadêmica, sonhos mais palpáveis e alcançáveis… Eu não via como uma possibilidade ter uma renda e conseguir viver de música e de arte. 

Urias
Top Acervo; Short Diesel; Sandália Yves Saint Laurent; Brincos Hector Albertazzi; Bandagem e corda Iron Arm (Camila Tuon/BOA FORMA)

Você também tem uma história com a dança. Como foi essa trajetória? 

Urias: Comecei a fazer dança com uns 6 anos, e a dança sempre esteve presente, mesmo quando eu me afastei desse mundo, eu sempre estava envolvida em grupos de dança, de teatro… Nos meus próprios aniversários! E eu sempre quis que estivesse presente, a dança sempre esteve ali. Era um jeito de me relembrar para onde eu tinha que voltar. 

Continua após a publicidade

Aliás, você também tem uma relação bem forte com a moda, inclusive chegou a passar no vestibular para Design de Moda… pode falar um pouquinho sobre isso pra gente? 

Urias: Desde pequeninha eu desenhava muitos croquis com um amigo. A gente juntava os papéis e começava a desenhar, “hoje eu vou desenhar uma roupa assim”, “uma mulher nesse tema”… Então, sempre tive esse contato, esse toque com a moda, eu só nunca achei que fosse ser modelo! Mas também aconteceu. Aí, com os meus 16 anos, quando eu estava no final do segundo ano, eu apliquei para o vestibular e passei, pelo ProUni. Eu só não fiz porque tinha toda uma papelada, eu tinha que me emancipar, para entrar antes da idade. Acabou não acontecendo, mas eu tive outro contato com a moda através da modelagem, dos desfiles e das fotos para revista. Não foi uma coisa que me abandonou e que também está muito entrelaçada com a música. 

Como aconteceu de você se tornar modelo?

Urias: Meu primeiro desfile foi na São Paulo Fashion Week, e eu já estava em uma agência. Eu acho que eu fui achada pelo Instagram, a minha imagem chamou a atenção do dono de uma marca, e  eu comecei a desfilar muito, por temporada. Eu desfilava todos os dias, em temporada de SPFW e Casa de Criadores também. 

É curioso como você teve uma vida profissional em que todos esses assuntos foram se entrelaçando…

Urias: Eu penso muito nisso! Parece que tudo o que a gente faz durante a vida, mesmo a gente achando que não tem nada a ver, completa o que a gente quer ser. Mas foi tudo muito sem querer. 

Urias
Body Hope; Sapato Yves Saint Laurent; Joias Hector Albertazzi (Camila Tuon/BOA FORMA)

E você parece levar tudo isso com muita leveza…

No começo, era muito um tiro no escuro. Era duvidoso se eu ia ter algum tipo de retorno – para todo mundo no meio artístico, tudo é muito um “será que vai dar certo?”. Agora eu tenho uma base mais sólida, eu posso ter a liberdade de pensar no artístico e não pensar em tudo que eu tinha que pensar antes. Como vai ser a maquiagem, por exemplo. Hoje, eu discuto isso com a minha equipe e eles trazem o acréscimo da bagagem deles. É outro ritmo, por isso eu acho que é com mais leveza. 

Continua após a publicidade

Você se tornou uma referência para a comunidade LGBTQIA+ ao se tornar uma cantora pop de sucesso. O que isso significa para você? 

Urias: Eu vejo como uma balança. Existem dois pesos nisso. O lado bom é que eu posso  mostrar que meninas como eu existem, que a gente não está destinada e designada a só estar na margem, que a gente sabe ser e estar em coletivo, que a gente não nasceu só para ser vista à noite. 

E existe o lado negativo que é a representatividade pela representatividade. Às vezes, só colocam você e você é a única. E só por ter você… pronto. E a gente não é assim. Eu acho que não consigo representar uma comunidade tão plural, existem mulheres com outros tons de pele, etnias… não diria que estamos sendo representadas ainda. As pessoas sabem que a gente existe, mas acho que ainda tem que ter muitas. 

Como a juventude de agora olha para a gente, para as meninas que estão aí… Nossa, é um lugar de conseguir imaginar outras possibilidades, não é nem de conseguir olhar e falar “Ela está lá e chegou onde eu quero chegar”, é ter a possibilidade de começar a sonhar. Quando a gente se entende como mulher trans, a gente pensa num certo destino que é o que é sempre levado, para onde a gente sempre é empurrada, e a gente vai cair na margem. E estar aqui acende na nossa cabeça essa possibilidade de sonhar. Essa não é a minha única opção, eu posso ser, estar. Eu acho que, antes de eu ser cantora, quando eu via e me sentia representada, era isso que eu sentia. 

Urias
Top Acervo; Short Diesel; Sandália Yves Saint Laurent; Brincos Hector Albertazzi; Bandagem e corda Iron Arm (Camila Tuon/BOA FORMA)

Você acredita que a moda e a música estão mais abertos e receptivos aos artistas LGBTQIA+? Como você vê isso hoje? 

Urias: Tem um caminho muito longo para andar. Não é nem sobre quantidade e qualidade, mas é uma questão de nicho. Quando me categorizam como “artista LGBT”, me limitam a um público que já é o meu público, e as pessoas que estão fora olham e pensam “não é para mim”. Impede o meu trabalho de chegar nessas pessoas. Você me afasta do resto, entende? É um recorte que é apenas uma característica. Esse é o meu sentimento. A gente tem que andar para normalizar as nossas existências, para que normalizem o meu trabalho, para que eu não seja um “artista LGBT”, mas uma pessoa, que canta. 

Continua após a publicidade

Isso me limita muito. Não de carreira, de dia a dia, de espaços, das nossas presenças nos lugares… Eu quero entrar em um lugar e ver alguém como eu trabalhando, comprando, e eu caminho muito para esse lugar do naturalizar e normalizar. A gente é parte do todo. E não é como as pessoas pensam,que eu vou estar tirando algo de alguém. 

Como é a sua relação com o seu corpo hoje? O que você prioriza hoje quando o assunto são cuidados com o corpo? 

Urias: Exercício, muito exercício! Eu me exercito muito. E a barriga para baixo, eu não malho braço! Faço no mínimo 3 vezes por semana, com personal trainer, e é sempre muito misturado.

Eu acho suar uma forma muito importante de expelir de você não só toxinas, não só coisas ruins do seu corpo, mas também da sua cabeça. Muitas das minhas ideias eu tive no meio de exercícios, faz bem para a pele, você libera endorfina… E você fica gostosa! É só ter a disciplina de levantar e fazer, mas é difícil. 

urias
Jaqueta Diesel; Body Hope; Sapato Yves Saint Laurent; Joias Hector Albertazzi (Camila Tuon/BOA FORMA)

Pegando esse gancho… Você acordou super cedo hoje pra treinar antes do ensaio. A musculação é um exercício que você gosta? Você faz por obrigação? Como lida com esse equilíbrio entre disciplina e prazer? 

Urias: Às vezes eu não quero ir, mas eu vou porque eu estou pagando o profissional. Não é no lugar do prazer, é do “eu preciso ir”. Se eu posso ir hoje, amanhã talvez eu não possa, eu tenho que aproveitar… Mas é de estar não só “bonita”, mas me sentindo bem, entendendo que o meu corpo está onde eu estou projetando ele para estar. E também é muito bom quando todo mundo olha para você e ninguém pode te chamar de feia!

Continua após a publicidade

Você já praticou algum tipo de luta, boxe, algo assim? 

Urias: Uma vez eu fiz krav magá, porque fui assaltada. Eu fiz uns meses, mas não é para mim, eu fiquei com muito medo de me machucar de uma maneira séria. Mas eu tentei! É mais musculação, para mim, e eu ensaio muito, quando tem show eu ensaio duas vezes. 

Aliás, hoje você fez poses super diferentes, de saltão – e ainda disse que se pudesse, ficaria sempre de salto. Como você consegue?

Urias: Existe uma dançarina, coreógrafa, que se chama Jesse Miller, e ela é especializada em dança em cima do salto. Quando eu decidi que queria fazer um show de salto, ela me ensinou tudo, como você tem que pisar, as bases… Com esse auxílio, hoje em dia eu tenho dor de não usar salto! 

urias
Top Acervo; Short Diesel; Sandália Yves Saint Laurent; Brincos Hector Albertazzi; Bandagem e corda Iron Arm (Camila Tuon/BOA FORMA)

A sensualidade parece ser uma marca registrada sua… pode contar um pouquinho sobre a sua relação com o sexy?

Urias: Eu me sinto sexy! Às vezes, eu olho no espelho e não acredito que sou eu. Eu já fui bem feia! Não vou negar para você! Hoje em dia eu olho e é uma sensação de… Eu me sinto sexy. Não é o tempo inteiro, mas eu me sinto sexy, sim, às vezes até quando não quero. Eu acho que acrescenta, acho que faz parte de mim, não é uma personagem.

Tem muito a ver com confiança também, você saber que é sexy. Quando a gente fala que uma pessoa é gostosa, não é sobre formato de corpo, tem aquela energia de pessoa que sabe que é gostosa, independente do formato do corpo dela! É uma energia, uma autodeclaração, uma confiança muito forte em você. 

E quando se fala em skincare? O que não pode faltar na sua rotina de cuidados? 

Urias: Eu lavo o rosto, passo o tônico, e, aí, duas vezes por semana eu faço o peeling em casa, que o dermatologista me passou, faço argila, duas vezes na semana eu esfolio… Mas no dia a dia, eu uso sabonete, tônico, hidratante, hidratante para os olhos, para o pescoço e protetor solar. Aí, de noite, são outros hidratantes, mas é basicamente a mesma coisa! 

Você costuma priorizar makes mais simples e com um ar natural, qual a importância da maquiagem pra você?

Urias: Não faço tanta questão de maquiagem, eu não uso no dia a dia, só quando tem que gravar ou fazer show. E a minha relação é de muita descoberta, eu gosto de me maquiar. E vem em mim toda aquela coisa do desenho, de brincar com luz e sombra, formato de rosto, esconder coisas, exaltar outros traços… eu acho que faz parte do autoconhecimento, da construção do sexy, mas não é necessário. 

Você é do tipo que gosta de cuidar da alimentação? Como é a sua relação com a comida?

Urias: Eu tinha uma alimentação mais certinha, tinha comprado minhas marmitas e tinha as frutas, todo esse rolê! Até uma viagem que eu fiz para os Estados Unidos, em que eu fiquei viajando um tempão, e acabou tudo! Não tinha o que tinha aqui, e até hoje não consegui recuperar! Pode colocar aí, as pessoas precisam saber que isso acontece! Mas o meu personal disse que eu tenho que focar mais nas proteínas e não deixar de comer, então, não tem essa. Comer não é um problema.

TEXTO: Maki De Mingo
FOTOS: Camila Tuon
STYLING: André Philipe
BELEZA: Camila Anac
DIREÇÃO DE ARTE: Kareen Sayuri
AGRADECIMENTO: @ciaathleticakansas

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.