Bela Gil: “Eu gosto de mim”
Em entrevista exclusiva à Boa Forma, ela fala sobre "bondade radical", "haters", sua relação com a nutrição como um ato político, saúde mental e mais
Sim. Curto e simples. E sem nenhum pingo de arrogância. Bela Gil gosta de si e ela deveria (assim como todos nós deveríamos gostar de nós mesmos).
Cozinheira, nutricionista, apresentadora e escritora, a filha de Gilberto Gil tem uma posição empática que ela aplica não apenas para o mundo e para outras pessoas mas também para si mesma. “Meu pai é adepto da bondade radical e [passou isso] pra gente. Eu quero muito o bem das pessoas e de todas as pessoas. Eu acho que quando você quer bem, você não vai fazer com violência, acho que o amor rege nesse lugar. Então, minhas atitudes são regidas pelo amor.”
Em entrevista à Boa Forma, ela fala sobre essa bondade radical, “haters”, sua relação com a nutrição como um ato político, saúde mental e mais.
Como é para você esse processo de fazer fotos? É algo que você fica à vontade?
Sim mas acho que porque tem um trabalho envolvido, né? A minha profissão não é modelo, é algo que eu fui fazendo porque foram aparecendo oportunidades mas eu acho que estando nesse lugar de “não é o meu trabalho” [a foto em si], talvez a exigência não seja tão grande, tanto dos outros comigo quanto comigo mesma. Então, é tranquilo, eu gosto.
Isso que você falou de cobrança consigo mesma. Você acha que você tem uma autoestima saudável?
Acho que sim, eu gosto de mim. Eu sou muito menos crítica em relação aos padrões estéticos e beleza. Eu me cobro muito mais em relação ao conhecimento e ao estudo, isso é o que me alimenta muito mais. Eu me sinto muito mais feliz, muito mais bonita, quando eu me sinto uma pessoa conhecedora, inteligente, culta, eu gosto disso, a minha autoestima está muito relacionada ao trabalho.
Você acha que isso vem desde criança? Essa autoestima mais saudável?
Sim. Nunca tive questões assim em termos de beleza, de físico. Eu me sinto bem.
Apesar de você vir de uma família que tem artistas, você escolheu uma profissão que não foi com o intuito de fama, mas que acabou te tornando uma pessoa pública. Como foi esse processo pra você?
Foi um processo bem orgânico, foi muito natural. Eu sempre fui muito tímida, muito caseira, muito introspectiva. Então, meus amigos de infância e as pessoas que me conhecem desde pequena jamais imaginaram que eu estaria na TV como comunicadora e apresentadora, porque eu era bem tímida.
Me chamaram para apresentar um programa e, como comida, alimentação, é uma paixão minha, eu acho que não me assustou o fato de ser um programa na TV e ter uma câmera me filmando. Não aconteceu isso, porque eu acho que quando a gente tem uma verdade, um propósito, a gente transcende esse lugar e fica tudo mais confortável e mais leve.
Aí deu certo o programa e eu acabei virando essa pessoa que muita gente conhece.
Você lida bem com o interesse do público pela sua vida pessoal, além da profissional?
Então, eu acho que isso faz parte da fama, né? É o efeito colateral, porque você se torna uma pessoa pública e as pessoas acabam tendo interesse não só pelo seu trabalho, mas também como você vive, como você cria os seus filhos. E eu respeito completamente quem é reservado, não quer dividir isso. Acho que faz parte, acho que não são todas as pessoas que tem que e precisam se abrir, assim como também tem pessoas que gostam do meu trabalho mas não querem saber da minha vida.
Mas eu sou uma pessoa que acabo dividindo um pouco da minha intimidade através das redes sociais e de entrevistas, por exemplo. E eu acho essa troca boa, porque acaba influenciando as pessoas. Por exemplo, a questão da maternidade, do parto, de ter meu filho em casa… Tem quem fique “Poxa, eu não preciso saber o que você usa durante a menstruação” mas, pra mim, é revolucionário poder mostrar para as pessoas alternativas ao absorvente descartável, [Bela tem uma parceria com a Korui, marca de calcinhas de menstruação]. Então, eu acho que essa abertura traz alternativas para as pessoas saírem um pouco do status quo.
E quanto aos “haters”?
Ah, eu tenho uma legião de haters mas, nesses últimos anos, eu falo que fiz um “detox digital” porque, com o meu posicionamento político nas redes sociais, acabou que muita gente na época da eleição de 2018, por exemplo, parou de me seguir, perdi mais de 100 mil seguidores e continua caindo.
Então, isso deu uma “limpada”. Quando você entra nas minhas redes, você percebe que o termômetro mudou. Você entra e fala “olha, só tem elogios, só pessoas mandando beijinhos e coraçõezinhos”, mas, antes de 2018, não era assim… Até hoje ainda tem esse ódio, em algumas situações. Por exemplo, com o pessoal do Agro, por exemplo, existe uma certa resistência deles com o que eu falo, porque é uma questão muito menos técnica e muito mais ideológica na visão deles. Eles acreditam plenamente que a monocultura de soja vai funcionar para alimentar o mundo, sendo que não é isso. Acho que é uma questão muito mais de ideologia, do que de números e porcentagens e técnica, porque se a gente olhar mesmo, a gente vê que não é o caso. Então, eu aponto isso e eles vêm com um jeito absurdo.
Quando eu falei de escovar os dentes com cúrcuma, ou do churrasco de melancia, de comer placenta e tal… Tudo isso foi meio que um “brinde” para os haters fazerem as festas em cima de mim. Então, até hoje, se sai alguma coisa fora da minha rede, uma coisa que atinge um público maior, aí vem: “ai, é a louca da placenta”.
Então existe essa Bela muito excêntrica no imaginário das pessoas. Mas, quem me acompanha a muito tempo, quem me segue, quem entende os meus valores e as minhas práticas, adora. A gente tem um público muito bacana e muito fiel nesse sentido de ser respeitoso, ouvir, estar aberto às novidades, tem essa troca bem legal nas minhas redes. Tem os haters, mas também tem os que ficaram.
Você tem um posicionamento muito empático em relação a si mesma, às outras pessoas e ao mundo. Você tem alguma coisa a dizer sobre de onde vem isso?
Meu pai [o cantor Gilberto Gil] fala algo que sempre foi a prática, o foco da educação dele, que é sobre a “bondade radical”. Ele fala que isso era algo imprescindível para ele passar para os filhos. Ele é adepto da bondade radical e essa é a herança que ele deixa pra gente. Eu acho que essa forma mais empática, menos violenta, menos crítica, menos julgativa, vem muito disso. Eu quero muito o bem das pessoas e de todas as pessoas. Então, eu ter a oportunidade de comer bem, de ter uma vida saudável, de ter uma família incrível, de ser feliz, deveria ser o básico, todo mundo deveria ter tudo para ser feliz.
E eu sinto que eu quero poder compartilhar isso com mais pessoas. Eu acho que esse meu jeito mais empático vem desse lugar de entender a minha situação dentro da sociedade e como eu posso fazer para que as pessoas se sintam, se alimentem, se nutram, disso que é bom. Eu gostaria que fosse uma oportunidade igual para todos. Eu acho que vem desse lugar, do querer bem. Eu acho que quando você quer bem, você não vai fazer com violência, acho que o amor rege nesse lugar. Então, minhas atitudes são regidas pelo amor.
Você falou um pouco da sua família, você deu uma entrevista sobre o seu casamento que é aberto e eu achei muito legal. Vocês estão juntos há quase 19 anos, tem algum segredo?
É um relacionamento muito bom, muito leve, muito gostoso, e essa segurança que a gente tem um com o outro, com o nosso território, com a nossa casa, com a nossa família, com ter o colo um do outro, acho que traz uma liberdade. Tem diálogo, transparência, verdade, respeito com o combinado. Isso tudo é muito importante. E tem amor e paixão, estar sempre renovando.
Achei legal que você falou isso do combinado, porque muita gente entende que relacionamento aberto é “oba oba” e, na verdade, não é assim, existe muito respeito, diálogo e cuidado com os sentimentos do outro.
Sim, eu acho que esse diálogo que tira um pouco do medo, do medo de perder o outro. O medo é um sentimento muito ruim né, quando a gente sente medo a gente faz coisas desrespeitosas. Isso também vale pra maternidade. Acho que quando a gente cria os nossos filhos sem impor o medo, o diálogo fica ainda melhor. É muito melhor ter um filho que sabe que pode contar com você para tudo o que precisar, do que um filho que fica mentindo, saindo para beber escondido, pra fazer coisa escondida, porque tem medo da sua reação. Pra que? Vamos conversar, será que você precisa disso mesmo? E é a mesma coisa pro relacionamento, o medo faz a gente fazer muita coisa que a gente poderia solucionar de outra forma e muito mais saudável.
Você sente que a maternidade te mudou de alguma forma?
Então, eu fui mãe com 20 anos. Então, foi muito paralela à construção da vida adulta. Eu acho que minha filha me ajudou muito nesse processo. Eu sou capricorniana, então eu tenho um senso de maturidade desde muito nova. Pra mim não foi difícil ter minha filha com 20 anos, fazendo faculdade, trabalhando, porque isso é o que me alimentava, eu gosto desse desafio, eu gosto dessa responsabilidade, isso me alimenta. Talvez para outras pessoas, em uma mesma situação, podia ser um fardo muito grande, tipo “caraca, agora eu tô com muita coisa no meu prato, tô perdida”. Mas eu tenho uma rede de apoio muito boa, uma família que me ajuda, amigos que me ajudam bastante também.
Então, eu sinto que a maternidade, ter tido a Flor nessa idade, foi importante e muito bom para o meu crescimento.
Você é vegetariana. Isso também desde criança?
Não, me tornei vegetariana mais ou menos aos 16 anos, porque meu corpo naturalmente foi rejeitando carne, processados, junk food, essas coisas assim. Desde então, eu mudei minha alimentação e comecei a estudar mais sobre nutrição, sobre culinária, porque eu entendi que o meu caminho estava ali. Eu falei “gente, se a comida me influencia dessa maneira, desde o meu humor, o meu foco, o meu equilíbrio, meu bem-estar, tudo está muito relacionado. Tem algo mágico aqui que eu preciso entender o que é”.
Então, fui em busca da nutrição para entender como os alimentos funcionam dentro da gente, descobrir porque existe toda essa alquimia, como isso acontece. Essa é uma curiosidade que eu tinha muito grande e foi por isso que eu decidi fazer nutrição. A gastronomia veio junto porque, pra eu comer bem as coisas que eu queria, eu pensei que seria melhor aprender a cozinhar, não nasci com o dom da culinária.
Em alguns momentos da minha vida eu voltei a comer carne. Quando eu engravidei da minha filha, meu primeiro desejo foi de carne, aí eu falei “eu preciso disso, porque meu corpo tá pedindo muito”. Tem gente que passa a gravidez de boa, mas era um desejo muito forte. Eu comi carne poucas vezes. Na gravidez do Nino, de novo.
Mas, como uma escolha ideológica, eu escolho não consumir, então o vegetarianismo me acompanha há quase 20 anos, mas com esses desvios, que eu acho ok a gente poder ouvir o nosso corpo, a gente ter esse autoconhecimento de entender e buscar a melhor forma de atender esse pedido.
E como a yoga entrou na sua vida?
Comecei com yoga com 14 para 15 anos. Estúdios eram raros, eu morava no Rio de Janeiro, tinham poucos estúdios ali na zona sul do Rio de Janeiro, onde cresci, mas eu amava a yoga, na verdade, eu amo, eu sou praticante há 20 anos. É algo que eu nunca deixei.
Eu não uso a yoga como um lugar de “ah, meu objetivo é manter o meu corpo por um padrão estético”. A yoga para mim é uma coisa muito mais de concentração, de meditação, de contemplação. Então, eu não quero trazer a prática para esse lugar do físico, porque quando eu vou para esse lugar, a gente acaba se machucando. Para mim funciona mais nesse lugar de “é para o meu bem-estar geral”.
Não que os outros exercícios não me deem essa sensação de bem-estar também, porque eles dão e é uma delícia. Agora, no momento, eu faço academia umas duas/três vezes por semana, e eu corria, mas eu parei, mas o meu exercício por uns cinco anos foi a corrida. Eu amo correr, eu odiava antes, mas aprendi a correr, aí comecei a amar. Ai meu joelho começou a pedir socorro, aí eu parei, aí agora estou fazendo academia para fortalecer o joelho para um dia voltar a correr.
Além da yoga e da alimentação, que já ajudam nisso, como você cuida da saúde mental?
Comecei a fazer terapia com 28-29 anos, quando engravidei do Nino [seu filho]. Não teve um gatilho que me deu “caraca, vou fazer” mas eu sempre gostei muito de psicologia, eu acho que está muito relacionada com alimentação e escolhas alimentares. Então, fui estudando bastante e eu ficava curiosa, eu fazia ligações do tipo “porque as pessoas escolhem isso e não aquilo?”. A mente humana me fascina muito. E aí eu falei “cara, vou experimentar”, comecei e amo.
Hoje, eu não faço de maneira regular, porque eu não tinha uma coisa que eu tinha que tratar. Eu fazia pela vida, sabe? Eu acho que é uma forma de higiene mental. Então, acabou que hoje em dia eu faço quando eu to com vontade. Eu ligo, marco e faço. Eu medito, eu faço exercício, terapia, porque eu acho importante falar de saúde mental.
Muitas vezes, é muito mais fácil a gente dar mais atenção para uma pessoa que quebrou o pé ou cortou a mão, porque tem uma coisa física ali que a gente vê e já ajuda. Mas, quando é um problema mental, uma questão de cabeça, uma depressão, uma ansiedade, existe um estigma, um preconceito ainda muito grande e muita invisibilidade, de as pessoas não quererem enxergar que isso existe, que é uma questão e que a gente precisa acolher, precisa tratar. Então, eu acho importante falar sobre isso e encorajar as pessoas a olhar a saúde mental com mais cuidado.
Você tem algum grande arrependimento na vida?
[Pensando…] Não.
E tem algum grande sonho que você ainda não realizou?
Tenho alguns sonhos mas o maior é mais um objetivo de vida, não um sonho tão pessoal, que é: democratizar a alimentação saudável, fazer com que todo mundo possa ter acesso à uma boa alimentação.
TEXTO: Larissa Serpa
FOTOS: Renato Nascimento
STYLING: Dani Nucci
BELEZA: Marcela Hanna
DIREÇÃO DE ARTE: Kareen Sayuri
ILUSTRAÇÃO DE CAPA: Ana Maria Sabino