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Treino 3D - Corpo, Mente e Espírito, com Samorai

Bacharel em esporte, Samorai (@samorai3d) é criador do método de treinamento 3dimensional para reabilitação, prevenção e tratamento de lesões e performance. Aqui, auxilia praticantes e treinadores na busca por harmonia.
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Múltiplos personagens

Por Samorai
21 dez 2021, 21h23
samorai
Em um jogo nós controlamos um personagens por vez mas, na vida, somos todos ao mesmo tempo (./Pexels)
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Hey, folks! Todos somos diferentes personagens. Essencialmente todos são o mesmo na raiz, mas por outro lado são totalmente singulares. Dessas dicotomias tão presentes no nosso universo. Uma das essências do treinamento 3Dimensional é entender e se harmonizar com o mundo como ele é. Com suas regras e leis. E uma das características mais fortes desse mundo é que ele é composto por forças antagônicas que se equilibram e coexistem. Ou seja, tudo é integrado. Até os opostos se integram. E como coloquei lá em cima, na nossa vida representamos diferentes e singulares personagens sendo apenas um.

Eu sou pai, personal, empresário, atleta, escritor, palestrante, amigo, inimigo, justo, injusto, sonhador, medroso. Eu sou todos esses. E em todos eles sou eu e também o meu oposto. Que também sou eu. E você também é assim. Esses antagonismos estão sempre presentes no universo e, embora sejam opostos, só existem na existência do outro. A sabedoria oriental há muito tempo já identificou isso, como o taoísmo, aqui representado no Yin Yang. Mas, eu gosto de simplificar e por isso vou dar um exemplo mais prático. A luz e a sombra. Uma é o oposto da outra. Porém, uma só existe na existência da outra. Tente apontar uma lanterna para o sol. Essa luz vai desaparecer. Agora entre com essa lanterna em um quarto bem escuro. A luz só existe na sombra. E a sombra só existe se você bloquear a luz. Logo, uma não seria nada sem a outra.

Isso acontece com tudo o tempo todo. Eu não seria eu sem você, porque eu me reconheço em você. Por outro lado, eu posso ser tudo menos você. No entanto, isso é um texto mais complexo que precisa ser melhor elaborado. Quem sabe no ano que vem. O fato é que somos vários personagens e um dia um deles pode se ferir. E quando ele se ferir, você entenderá que são todos interligados. Aqui começa um grande caminho de evolução. Separar um do outro. Você pode ter tido um dia péssimo no seu trabalho, mas sua filha não tem nada a ver com isso. Aliás, se você souber separar e ser inteiro com sua filha, perceberá que esse personagem pai vai ajudar o personagem funcionário a lidar melhor com sua ferida, porque ao mesmo tempo que você é todos esses personagens, você também não é nenhum deles.

Eu tenho um grande amigo, músico alemão, chamado Cris Cosmo (https://open.spotify.com/artist/7cPPXrOkybJR84JuTO6bOK). Quando morei na Alemanha com ele tive uma vida muito agitada, porque por ser músico ele estava sempre viajando em turnê e eu sempre junto. E com ele aprendi muito sobre essa diferença de personagens. Sobre profissionalismo e respeito por quem espera algo de ti. Vou citar dois exemplos. Uma vez, antes de sair de casa, ele brigou feio com a esposa. Nesse dia, ele tinha um show muito importante para fazer. Fomos no carro viajando até a cidade onde aconteceria o evento, na Bavária. No caminho ele estava muito nervoso e reclamando de tudo. Temi pelo show. Justamente nesse dia tudo parecia estar dando errado. Chegamos lá, evento lotado, mais de 5 mil pessoas. E ele reclamando. Até que subiu a escada do palco. Ali ele se transformou e o personagem pop star apareceu. Foi um dos melhores concertos que eu assisti. E olha que eu assisti a vários. Ele não deixou que aquele personagem ferido derrubasse o personagem que precisa brilhar. Saiu do palco e sua energia estava transformada. Ele permitiu ser curado pelo seu outro personagem. Aprendi muito nesse dia.

A outra história é um pouco diferente. Tem a ver com expectativa. No show seguinte, cheio de energia, rumamos para Ulm, cidade natal de Albert Einstein. Quando entramos para tocar, o show estava completamente vazio. Acho que tinham umas cinco pessoas. Aquela ducha de água fria. Na noite anterior pensamos que a banda estava começando a decolar, mas a realidade colocou-o no lugar dele. Pensei que seria um show morno, ou talvez até fosse cancelado. Foi um show ainda melhor que o do dia anterior. A energia que ele colocou foi enorme. Ao final do show perguntei como ele conseguia fazer isso e ele me respondeu: “nunca sei quem está me assistindo. Nunca sei de onde pode sair minha chance”. E nessa hora o personagem músico sonhador curou o personagem pop star ferido. Outra coisa que ele me disse também foi que se tiver uma única pessoa ela merece que ele dê o melhor e que se não tiver nenhuma, será então uma ótima oportunidade de praticar, porque no fundo, ele toca para ele, para o sonho dele, para transformação dele. Uma aula de espiritualidade e profissionalismo.

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O interessante dessa história é que o meu maior medo estava relacionado à minha expectativa. Ao esperar um lugar lotado e cheio de energia, me frustrei. E é sobre isso que também quero falar agora. A expectativa é a mãe da frustração. A expectativa não é um problema em si, mas a necessidade de algo, sim. Um antigo chefe, um espanhol chamado Luiz Serrano, me falava para sempre querer tudo, mas nunca precisar de nada. E quando aceitamos o mundo apenas compatível com a nossa expectativa, ficamos escravos de algo que não podemos controlar.

Nesse caso, uma cidade histórica maravilhosa vira sem graça. Um evento com pessoas incríveis, cada uma sendo um universo singular de histórias e aprendizados, se torna ruim e deixa uma lembrança negativa, porque algo não saiu de acordo com a minha expectativa. E querer as coisas de uma maneira melhor não é um problema em si, mas o precisar que ela seja desse jeito, em um mundo onde não controlamos quase nada, nos limita e nos frustra o tempo todo. E se reabilitar é dar autonomia, essa postura nos tira autonomia. Nos traz a dependência. E se nos prende, nos tira a liberdade. Porque para que essas expectativas sejam sempre supridas, preciso customizar o mundo. E ele não aceita essa customização. Até porque, se eu quero algo e não quero o seu oposto, infringe a regra do universo dos opostos coexistirem. Não é possível.

O mundo exige flexibilidade para ser apreciado. Necessita que você seja água. Esta toma a forma de onde está, respeita os limites do recipiente, mas não se deixa comprimir. A boa notícia: somos água em nossa maior parte. Ao chegar no show lotado para tocar, deixe a plateia te contaminar. Ao chegar no show vazio, contamine a plateia. Se chover, curta a chuva. Se fizer sol, também. Ao tentar controlar o mundo ele vai te bater até que você desista dessa ideia. E se você tentar de novo, ele bate de novo. E é também para isso que temos tantos personagens. O para os dias bons e ruins, para o show cheio e vazio, porque cada um conhece o seu caminho.

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Hoje liguei o computador sem nenhuma ideia do que escrever. Um dos meus personagens precisa da ajuda do escritor. Eu poderia ter pedido à minha chefinha incrível para entregar esse texto amanhã. Porque eu ia esperar o meu personagem ferido guardar cuidadosamente sua mágoa embaixo do tapete para depois colocar uma fantasia de que tudo estava bem. Mas aí eu pensei, o que o Cris faria? Ele chamaria o outro de muitos eu’s que todos temos. O que tivesse o remédio certo. E eu chamei o colunista, o escritor. Aliás, este escritor ajudou muito os outros personagens ao longo deste ano. E pelo retorno de alguns leitores, ajudou também outros personagens feridos em seus voos. Personagens que nem conheço.

Escrever me fez feliz e me ajudou a dar o próximo passo em um ano, digamos, peculiar. Essa é minha última coluna de 2021 e a ideia aqui hoje é passar uma mensagem de esperança para este fim de ciclo. Eu acredito apenas na autocura. Deixe você curar você mesmo. Permita a cada um de seus personagens se desenvolver. Tudo será bom ou ruim se assim você quiser. Se assim você permitir. E se somos água e ela adoece parada, entre em movimento. Se um personagem não sabe o próximo passo, encontre o que sabe. E acredite, você também é o personagem curador do outro. Até sem saber. O seu eu leitor de coluna da Boa Forma me curou inúmeras vezes. E se me permitir dar um último conselho antes do fim, não controle o incontrolável. Flua. Seja sempre você mesmo. Água.

Feliz Natal e até o próximo ano!

Forte abraço,
Samorai

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