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Jejum intermitente: tudo o que você precisa saber

A ciência ainda está descobrindo os reais efeitos do jejum intermitente para o corpo humano. Mas os resultados iniciais são promissores

Por Amanda Panteri
Atualizado em 8 Maio 2024, 10h18 - Publicado em 5 Maio 2021, 09h00
Jejum Intermitente
 (ThitareeSarmkasat/Getty Images)
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O jejum intermitente que visa sobretudo o emagrecimento pode até ser uma prática deste século. Mas o jejum em si, não. O conceito tem milhares de anos, e na maioria das vezes esteve relacionado à espiritualidade: religiões como judaísmo, cristianismo, hinduísmo, islamismo e budismo desde sempre lançam mão dele para os mais diferentes propósitos (penitência, conciliação, purificação, desenvolvimento espiritual…).

A lógica por trás de todos os tipos de jejuns milenares é basicamente a mesma — cortar o que é tóxico para a mente e o corpo. “É uma das tradições mais antigas e difundidas de cura no mundo. Os mais famosos são os de quarenta dias de Moisés e de Elias. Hipócrates de Cós (460-370 AC), considerado o pai da medicina moderna, também defendia a prática”, exemplifica o nutricionista e terapeuta holístico Will Powa (@powahealthyfood).

O especialista, inclusive, é um dos grandes defensores do costume. “Em minhas experiências com protocolos de 24h ou mais, sinto grande alívio mental, baixa da ansiedade, forte conexão espiritual e profunda paz.”

A questão é que não para por aí. A ciência, de uns anos para cá, vem estudando os efeitos do jejum com relação a diferentes objetivos: emagrecimento, diminuição dos riscos de doenças crônicas e até prevenção do câncer. E como a estratégia moderna envolve períodos intercalados de abstinência e alimentação, como um ciclo, ela ganhou um segundo nome — intermitente.

Como funciona o jejum intermitente

A endocrinologista Lorena Lima Amato (@dra.lorenaendocrino), da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), explica que depois de algumas horas sem comida, nosso organismo começa a utilizar o glicogênio (localizado principalmente no fígado) como fonte de energia, transformando-o em glicose. Quando os estoques no órgão ficam muito baixos (geralmente depois de 8 horas), o corpo precisa encontrar outro combustível para manter seu funcionamento.

Aí, ele aposta na gordura, e entra no chamado estágio de cetose. “Isso beneficia a perda de peso, a diminuição da gordura visceral [localizada entre os órgãos] e a melhora na sensibilidade à insulina”, elenca a nutricionista Luciana Harfenist (@lucianaharfenist).

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E uma coisa leva à outra. Por diminuir a porcentagem de gordura corporal, a estratégia alimentar auxilia na redução do colesterol ruim, assim como na melhora da frequência cardíaca e da pressão arterial. A queda da glicose no sangue também reduz as chances de desenvolvermos diabetes.

Fases e protocolos do jejum intermitente

Ao adotar a técnica, alguns sintomas iniciais um tanto quanto desagradáveis podem dar as caras, como irritação, fadiga, fome excessiva e falta de concentração, sinais que costumam aparecer nos primeiros dias após adotarmos dietas com restrição de calorias. O emagrecimento com o jejum intermitente também passa por algumas fases. Luciana explica:

  • Primeiras duas semanas: fase de choque, com perda brusca de peso;
  • Entre a 3ª e a 10ª semana: fase de adaptação, quando o emagrecimento começa a desacelerar por conta do aumento do cortisol e queda de alguns hormônios;
  • A partir da 12ª semana: fase de platô, com estagnação de peso. Para evitar essa etapa, muitos profissionais indicam revezar períodos de jejum intermitente com períodos de alimentação normal.
Jejum Intermitente
(artJazz/Divulgação)

Não existe somente um modo de adotá-lo, mas sim diferentes protocolos:

  • 1 – Protocolo Leagains

Também conhecido como método 16/8, é um dos mais conhecidos. Nele, você fica sem comer por 16 horas, e se alimenta nas 8 restantes. “É permitido realizar duas ou três refeições, respeitando a sua fome. Também vale ingerir água, café e qualquer outra bebida não-calórica”, diz o nutrólogo Elifas Rodrigues (@drelifas), da clínica Benessere.

  • 2 – 5:2

Considerada uma versão um pouco mais moderada. Duas vezes na semana, você só consome 500 calorias diárias. Nos cinco dias restantes, já pode apostar em uma alimentação equilibrada. “Interessante para quem sente dificuldade em jejuar. Mas devemos prestar atenção no mecanismo compensatório”, afirma o nutrólogo Vinícius Aguilera (@dr.viniciusaguilera), da Clínica Aguilera. Ou seja, de nada adianta ‘compensar’ os períodos de fome com comilanças — somente são liberadas 1500 calorias por dia.

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  • 3 – Em dias alternados

O mais extremo de todos. Você passa longas horas em jejum (12, 24 e até 36) e come durante 12 horas. “Como a quantidade de calorias consumidas tende a ser muito baixa, a perda de peso é mais rápida para quem pratica esse método. Mas ele deve ser acompanhado por um profissional, pois nem todas as pessoas conseguem passar por uma restrição calórica dessas”, aconselha o nutrólogo Alisson Melo (@dralissonmelo), da Clínica Benessere.

  • 4 – Dieta do guerreiro

O método consiste no jejum (ou comer muito pouco) por um período de 20 horas, e depois se alimentar nas outras 4 horas. “Durante as 20 horas, pequenas quantidades de laticínios, ovos cozidos, frutas, vegetais crus e líquidos não calóricos podem ser consumidos”, explica a nutricionista Natalia Barros (@nataliabarros.nutri).

  • 5 – Eat-stop-sleep

Aqui, o indicado é ficar 24 horas sem se alimentar duas vezes por semana. As ressalvas são: não fazer em dias consecutivos e nem ficar um dia inteiro sem refeição. Exemplo: você toma café da manhã e almoça até as 14h, fica em jejum, e come normalmente a partir das 14h do dia seguinte.

Jejum intermitente: caso real

Dani Serres (@daniserres) é uma atleta daquelas que amam um bom desafio. Ela coleciona provas: já completou cinco maratonas, um meio Ironman e perdeu as contas de quantas corridas fez ao longo da vida. Em um de seus períodos de preparação (2015), resolveu apostar na dieta low carb para tentar ficar mais leve e aguentar 42 km em Chicago.

A combinação de treinos intensos e diminuição drástica de carboidratos do cardápio não funcionou bem para Dani — seus rins foram sobrecarregados e ela teve suspeita de rabdomiólise (degradação dos tecidos musculares). Então, precisou mudar as estratégias alimentares, cortou o glúten e fez o jejum intermitente. “Sempre senti que o processo de digestão demandava muita energia do meu corpo. Resolvi começar pelo protocolo de 16 horas — é o mais fácil para mim”, conta.

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Desde então, defende com unhas e dentes o jejum. Só precisou dar um tempo nos primeiros meses da pandemia porque queria focar em outros aspectos da sua vida. “Eu sofri uma lesão na coluna (por treinar na esteira de casa sem acompanhamento) e fiquei meses parada. Também comecei a beber com mais frequência. Isso significou uns quilos a mais na balança.”

Dani sabia que queria voltar para o plano nutricional. Por isso, decidiu optar por uma variação do método eat-stop-sleep ainda mais ousada: em vez de ficar dois dias na semana sem se alimentar, ficava três (segundas, quartas e sextas). “Emagreci 14 quilos desse jeito.”

Jejum Intermitente
Dani no início da pandemia/Dani agora (Dani Serres/Acervo pessoal)

Hoje, ela faz dois jejuns na semana, um de 24 horas, e outro de 16. E jura que os benefícios vão muito além da perda de peso. “A sensação é de detoxificação do corpo. Além disso, aprendi a identificar (e lidar) com a verdadeira fome, e a curtir muito mais as minhas refeições. Quando estou perto de quebrar o jejum, faço questão de cozinhar o meu prato com cuidado e carinho.”

Como quebrar a abstinência alimentar, aliás, é algo que deve ser muito bem pensado. “Você precisa comer o equivalente a uma refeição. E não ao dia inteiro”, aconselha a corredora e estudante de nutrição, que também afirma não sentir prejuízos na performance. “Nos dias de jejum, procuro fazer corridas mais leves, ou treinos de musculação. E sempre me programo para a quebra acontecer logo depois de malhar. Dessa forma, preparo um lanche pós-treino caprichado para evitar a perda de massa muscular.”

Contraindicações do jejum intermitente

Mas é claro que o que funcionou para a Dani, pode não dar certo para outras pessoas. As contraindicações do jejum intermitente, inclusive, são muitas. A começar por:

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  • 1 – Grávidas e lactantes

“Elas não possuem somente elas mesmas para alimentar. Portanto, precisam comer várias vezes ao dia, e focar em itens saudáveis”, diz o endocrinologista Cristiano Barcellos (@drcristianobarcellos), da SBEM.

  • 2 – Diabéticos

“Diabéticos (do tipo I ou II) que também são insulinodependentes sofrem grandes riscos de ter quadros de hipoglicemia (queda brusca de açúcar no sangue)”, afirma o também endocrinologista Guilherme Renke (@endocrinorenke). Por outro lado, quem tem diabetes tipo II e não utiliza a insulina como tratamento, pode se beneficiar do jejum, desde que com acompanhamento médico.

  • 3 – Pessoas com transtornos alimentares

Apesar de estudos demonstrarem que o jejum intermitente não agrava quadros de compulsão alimentar já controlados, o posicionamento oficial dos especialistas, explica Cristiano Barcellos, é o de não recomendar para quem tem histórico de algum tipo de transtorno. “Se formos colocar na balança os riscos e benefícios, não é uma boa indicação”, complementa Guilherme Renke.

  • 4 – Idosos

Ao envelhecer, perdemos naturalmente e progressivamente massa magra, um processo chamado de sarcopenia. “E isso, somado a um menor aporte de nutrientes por conta do jejum, pode agravar o problema, gerar inflamações no corpo e estimular a produção de hormônios que impedem o crescimento muscular. Todos os fatores aumentam o risco de morte”, ressalta o endocrinologista da SBEM.

O que a ciência sabe sobre o jejum intermitente

Pesquisas investigaram os efeitos do jejum em camundongos de laboratório. Uma delas, publicada na revista Nature, por exemplo, mostrou que os ratinhos que ficaram sem comer por 24 horas tiveram a eficiência do gene P21 aumentada — um importante supressor tumoral.

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Jejum Intermitente
(Eleonora Grigorjeva/Getty Images)

Agora, é preciso descobrir se o mesmo acontece com humanos. “O animal testado vive dois anos, e a gente muito mais — sendo assim, o tempo é diferente para os dois grupos. Então, para obter as mesmas vantagens observadas nos roedores, precisaríamos jejuar muito mais que um dia”, comenta Cristiano Barcellos.

Outros resultados são tão animadores quanto: fala-se até em diminuição da gravidade dos sintomas do coronavírus. Mas os estudos ainda estão em fases muito iniciais. “Mais pesquisas são necessárias, especialmente em relação aos resultados de longo prazo”, diz a nutri Natalia Barros.

A sustentabilidade desse tipo de dieta também é um tópico que necessita de maiores investigações. Afinal, Natalia diz que a prática não é nada fácil de ser levada para a vida toda. “Alguns artigos falam que aqueles que fazem jejum intermitente geralmente não o mantêm em comparação com aqueles que tentam perder peso com dietas mais tradicionais.”

Mas qual o veredito sobre o jejum intermitente?

Que o jejum intermitente é uma estratégia válida para emagrecer, perder gordura corporal e diminuir os riscos de doenças crônicas, os especialistas parecem concordar. Mas o método não é seguro para todos, e suas vantagens não vão muito além daquelas oferecidas por qualquer outra alimentação com restrição calórica — isso até onde a ciência sabe.

“Quando comparamos o jejum intermitente com outras dietas controladas, percebemos que não há grandes diferenças quanto aos efeitos. Mas muita gente acaba optando por ele porque o nosso corpo foi feito para aguentar dias sem alimento — uma herança dos tempos das cavernas”, diz Lorena Lima Amato. Até surgirem mais estudos provando o contrário, é difícil relacionar diretamente a estratégia alimentar com questões como cura do câncer e prevenção do envelhecimento.

Monja Coen: capa da edição de maio de BOA FORMA
Monja Coen: capa da edição de maio de BOA FORMA (André Spinola e Castro/BOA FORMA)

Esse especial faz parte da edição de maio de 2021 de Boa Forma,
que traz a Monja Coen em sua capa.
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